As obras literárias que abordam temas sociais relacionados ao racismo e questões raciais de uma maneira geral estão despertando maior atenção nos leitores, conforme observação da bibliotecária e pedagoga Luciana Sassi, 33.
De acordo com ela, que atua na biblioteca da unidade itapirense do Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial), os livros também têm sido buscados por doces da própria instituição que utilizam os conteúdos para trabalhar temáticas transversais em sala de aula.
“Percebo que, à medida que os debates sobre racismo e antirracismo se intensificam, cresce também o interesse das pessoas em se aprofundar no assunto. Algo que considero especialmente significativo nesse movimento é que, para além de uma militância saudável, temos notado um esforço coletivo em ressignificar o vocabulário, as escolhas estéticas, o modo de falar e até mesmo a forma como o cabelo é usado”, afirma Luciana, que também atua em projetos antirracistas.
“Essas mudanças refletem uma sociedade que está aprendendo a enxergar beleza e valor não apenas na branquitude, mas também em sua própria ancestralidade e identidade negra. É uma transformação poderosa, que nos faz reconhecer e celebrar a riqueza da nossa cor, da nossa raiz e da nossa história. É, de fato, maravilhoso ser negro(a). Não significa que é fácil, mas ainda sim é belo”, pontua.
Para Luh Sassi, como é conhecida, a biblioteca tem se tornado um espaço cada vez mais comprometido com a promoção de um acervo que dialogue com questões sociais e culturais fundamentais, incluindo a luta antirracista.
“Obras como Tornar-se Negro, de Neusa Santos, e O Pacto da Branquitude, de Cida Bento, são marcos nesse processo. Esses livros oferecem reflexões profundas e essenciais sobre identidade, racismo estrutural e o papel de cada indivíduo na construção de uma sociedade mais justa. Além disso, em meu acervo particular, destaco a obra Ainda Estamos Aqui, da Hananza, que amplifica as vozes negras contemporâneas e reforça a importância de narrativas que abordem vivências e resistências de pessoas negras no Brasil”, afirma.
Em celebração ao Dia da Consciência Negra, celebrado nesta quarta-feira (20) e que pela primeira vez é um feriado de âmbito nacional no Brasil, o Itapira News convidou a bibliotecária para indicar três leituras relacionadas ao tema. Confira abaixo:
Ainda estamos aqui: uma breve parte de nossa história negra
Hananza
O livro de autoria da escritora, filósofa e palestrante Hananza traz reflexões relevantes acerca do racismo e suas consequências para a população negra deste país.
A autora trata de temas necessários a serem discutidos para uma sociedade mais igual como a luta antirracista, projeto de eugenia, lei de cotas, representatividade, militância negra e racismo enquanto estrutura.
Uma obra de leitura fácil e acessível para introduzir ao tema de forma objetiva leitores que buscam ampliar seu conhecimento acerca da desigualdade abismal entre brancos e negros num país onde a invisibilidade e falta de oportunidades assola seus iguais.
Tornar-se Negro
Neusa Santos Souza
Partindo da própria experiência de ser negra numa sociedade de hegemonia branca, a psiquiatra e psicanalista Neusa Santos Souza analisa uma série de depoimentos dados a ela, assinalando neles as consequências brutais do racismo e da introjeção do padrão branco como o único caminho de mobilidade social para o negro.
São histórias de vida de dez personagens que se autodefinem e falam das estratégias para a ascensão, cujo custo emocional é o da sujeição, negação e apagamento de suas identidades, sua cultura e seus corpos.
Publicado originalmente em 1983, a obra foi pioneira ao conectar a psicanálise com a questão racial e se tornou um marco no Brasil ao discutir os efeitos psíquicos do racismo na identidade de pessoas negras.
De forma inovadora e potente, a autora dedicou um estudo acadêmico à vida emocional de negros e negras, justificado pela absoluta ausência de um discurso nesse nível elaborado pelo negro acerca de si mesmo.
O Pacto da Branquitude
Cida Bento
Neste livro poderoso, Cida Bento ― eleita em 2015 pela The Economist uma das 50 pessoas mais influentes do mundo no campo da diversidade, denuncia e questiona a universalidade da branquitude e suas consequências nocivas para qualquer alteração substantiva na hierarquia das relações sociais.
Diante de dezenas de recusas em processos seletivos, Cida Bento identificou um padrão: por mais qualificada que fosse, ela nunca era a escolhida para as vagas.
O mesmo ocorria com seus irmãos, que, como ela, também tinham ensino superior completo.
Por outro lado, pessoas brancas com currículos equivalentes ― quando não inferiores ― eram contratadas. Em suas pesquisas de mestrado e doutorado, a autora se dedicou a investigar esse modelo, que se repetia nas mais diversas esferas corporativas, e a desmistificar a falácia do discurso meritocrático.
O que encontrou foi um acordo não verbalizado de autopreservação, que atende a interesses de determinados grupos e perpetua o poder de pessoas brancas. A esse fenômeno, Cida Bento deu o nome de “pacto narcísico da branquitude”.
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