Acampamento armado a 4.500 metros: bem próximos do objetivo (Arquivo Pessoal)
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A conclusão de mais uma aventura de enorme nível de complexidade foi muito comemorada por dois montanhistas de Itapira, o inspetor Altair Rocha Carvalho, 51, e o consultor Raoni Bueno, 38.

Em dezembro do ano passado, eles cumpriram com pleno êxito mais uma desafiadora experiência internacional nessa modalidade, precisamente na Cordilheira dos Andes, ao finalizarem os quase 5.900 metros de altitude do Vulcão San José, em terras chilenas.

Uma jornada de oito dias e sete noites, que levou ambos ao limite da exaustão, tanto física quanto psicológica. Foram momentos bem críticos em um ambiente totalmente inóspito, cercado pela neve, gelo e temperaturas que no topo bateram -20ºC.

A experiência no montanhismo amador começou há cerca de nove anos, mais como curiosidade. Logo em seguida arriscaram as primeiras incursões por montanhas em solo brasileiro, como expedições guiadas pelo Pico das Agulhas Negras, com 2.791 metros, no Parque Nacional do Itatiaia, na divisa dos estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais.

Com o passar dos anos e um currículo consolidado nesse ambiente tomado por desafios, a dupla decidiu pensar em projetos mais ousados, independentes e avançados, sem os rígidos controles exigidos pelos parques nacionais.

Dupla de montanhistas durante a ascensão para 4.500 metros do San José (Arquivo Pessoal)

Foram várias expedições ao Pico dos Marins, localizado na Serra da Mantiqueira e com 2.420 metros de altitude – o maior do Estado de São Paulo. “No Marins tem início a classificação de alta montanha no Brasil, que é a partir de 2.400 metros de altitude, quando se começa a sentir o ar rarefeito”, explicou Bueno. E vieram ainda outras aventuras, como Serra Fina, também na Mantiqueira, na divisa entre Minas e São Paulo; a Serra dos Órgãos (RJ); e a Serra do Papagaio, em Aiuruoca (MG), entre outras.

Os dois sempre buscaram seguir gradualmente a curva de amplificação das dificuldades, sem atropelar etapas. “Quando entendemos que chegamos a um patamar onde não havia mais tantos desafios por perto, e também pelo fato de podermos explorar lugares novos, veio a ideia de uma expedição fora do país. Uma evolução natural no montanhismo”, contou Carvalho.

  • LÁ FORA

A primeira experiência internacional no montanhismo acima de 3.000 metros foi nos Andes, no final de 2019. Carvalho e Bueno, ao lado de um amigo da cidade de Conchal-SP, Maurício Perin, encararam os 5.940 metros do Cerro Plata, na Argentina, com um nível de dificuldade que, em tese, seria menor que o do San José.

A inexperiência para desafios dessa magnitude e uma mudança repentina no tempo obrigaram o grupo a parar nos 5.040 metros e retornar. “Não chegamos no cume por 900 metros”, lamentou Bueno. E pela primeira vez eles sofreram com os efeitos da altitude – dores de cabeça fortíssimas e ânsia, por exemplo, o chamado ‘Mal da Montanha’.

No período da pandemia da Covid-19, em 2020 e 2021, os projetos ficaram momentaneamente adormecidos. E em 2022, na retomada das atividades consideradas normais, veio a oportunidade de uma expedição bem ousada, o Vulcão San José, em Santiago, no Chile, com 5.835 metros.

Inicialmente o plano era mais ambicioso e superar duas montanhas nessa mesma região: o próprio San José, vulcão considerado ativo, mas com comportamento estável, e o vulcão vizinho, o Marmolejo, de 6.100 metros. Pelo altíssimo grau de dificuldade, a proposta ficou restrita ao San José.

  • O DESAFIO

Carvalho e Bueno embarcaram no dia 10 de dezembro para Santiago, no Chile. Depois de complementarem os equipamentos necessários, viajaram até a base do vulcão, em Baños Morales. A subida começou oficialmente em 11 de dezembro, às 13h30. Caminharam pelo Vale da Engorda, região formada pelo degelo, e iniciaram a ascensão.

Foram 12 horas até chegarem a 3.100 metros de altitude, em uma pequena casa que serve de refúgio, onde pernoitaram. No outro dia foi feita a primeira aclimatação – subida até determinado ponto, permanência de até duas horas e retorno ao local de partida.

A ideia era sair de 3.100 metros e subir até 4.400 metros, bem além do considerado ideal para a aclimatação. Porém, alcançaram somente 3.600 metros. “Não imaginávamos que o terreno seria tão complicado. Era começo de Primavera e pegamos muitos trechos nevados e instáveis. Andávamos na neve e escutávamos a água correr por baixo. Algo muito perigoso”, destacou Carvalho.

A dupla então retornou para o refúgio e no dia seguinte subiu com carga total. Os dois acamparam provisoriamente a 3.800 metros e no outro dia, sem aclimatação, avançaram até 4.500 metros. Armaram as barracas em um lugar mais seguro e encontraram um grupo de chilenos, que atacaria o cume na manhã seguinte.

Decidiram acompanhar os novos amigos e às 6h00 da manhã partiram. Mas os brasileiros não estavam prontos. “Chegamos a 5.400 metros e não deu mais”, lembrou Carvalho. “O Altair estava se sentindo muito mal, muito debilitado e o tempo fechou. Não tínhamos visão de mais nada”, completou Bueno. Foram 10 horas de caminhada entre subida e descida de volta aos 4.500 metros.

“Foi um desânimo enorme. Estávamos a duas horas do objetivo, mas não tínhamos condições físicas e mesmo ambientais para seguir”, recordou Carvalho. “Descemos totalmente desanimados e pensamos até mesmo em desistir. Um momento de baixo-astral completo”, disse Bueno.

A montanha começava a minar o psicológico de ambos. Porém, veio um ‘empurrãozinho’ extra. “O ponto que mudou todo esse panorama desolador foi um áudio que recebi da minha esposa, que disse: ‘Vocês não vão desistir. Fiquem aí, vocês vão chegar lá’”, contou Bueno.

Decidiram ficar mais um dia no acampamento, para depois retomar o ataque ao cume. Partiram às 3h00, em meio a uma temperatura próxima a -20ºC. Chegaram ao objetivo oficialmente por volta das 12h30 do dia 19 de dezembro, mas faltava um pouquinho mais. “Chegando no cume, vi um glacial enorme e disse: ‘enfim cheguei’. Mas olhei no GPS que faltava mais um quilômetro e meio”, constatou Bueno, sobre a caminhada extra até que a meta de conquistar o San José fosse efetivamente cumprida.

  • EMOÇÃO

Em meio ao frio extremo, Carvalho veio logo na sequência e a emoção tomou conta. Um abraço selou a conquista da montanha. “Passa muita coisa pela cabeça. Minha família, meus filhos, de toda dificuldade que passamos até chegarmos lá”, pontuou Carvalho. “Você fica muito no limite do emocional e do físico, e é isso que desafia. O grande desafio é com sua mente”, complementou Bueno.

Com uma visibilidade de 5 a 7 metros e frio extremo, os dois voltaram então até 4.500 metros, em um total de mais 14 horas entre o ataque e a descida. No dia seguinte, acordaram às 7h00, desmontaram o acampamento e retornaram. Finalizaram a expedição por volta das 17h30, antes de completarem na sequência mais 6 quilômetros até o hotel, distância que foi amenizada por uma carona.

Com o espírito aventureiro correndo nas veias há alguns anos, a dupla já planeja o próximo desafio: chegar ao cume do Cerro Plata, que “segue engasgado”, como reafirmou Bueno. “A ideia é sempre subir na dificuldade”, salientou Carvalho.

E sim, o Aconcágua, a montanha mais alta fora da Ásia, com 6.961 metros de altitude, faz parte dos planos futuros. “É um projeto mais grandioso, que necessita de um pouco mais de preparação e experiência”, adiantou Carvalho. “Vai demorar um tempinho a mais para a ‘Missão Aconcágua’”, sentenciou Bueno.

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