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No dia 17 de junho de 1996, às 07h05, houve um grande incêndio num dos prédios do conjunto da Cohab de Heliópolis, na cidade de São Paulo, bem na fronteira com o ABC paulista. Estas obras do conjunto habitacional tiveram início em 1987, mas por péssima gestão pública, foram paralisadas no início de 1988 deixando vários prédios inacabados.
Em 1991 os prédios foram invadidos e começou uma briga na justiça pela reintegração de posse. No entorno começaram a surgir moradias e mais moradias alternativas, aquilo que chamamos de favela. Estava ali na divisa com São Caetano do Sul, que se orgulha até hoje de ser uma cidade sem favelas, (mas que pode ser rotulada como a cidade cercada de favelas), formando a famigerada Favela do Heliópolis.
Depois de muitas lutas a Cohab ganhou na justiça o direito pelos prédios abandonados, que ela própria deixou na paisagem, isso pelos idos de março de 1996. Três meses depois os prédios pegam fogo em meio a uma comunidade de mais de 50 mil habitantes na época. Dois adultos e duas crianças morreram.
Em meio a estas cinzas surge a fênix. Um ex pretenso padre, que desde muito jovem se dedicou à música e tornou-se maestro. Este senhor foi, depois do incêndio, até a escola local e ofereceu aulas de música para os alunos. A diretora mostrou-se cética. Mostrou as condições do lugar, que nem vidros nas janelas possuía.
Como organizaria aulas de música ali? Depois de quatro meses de muita insistência, ela escolheu 30 alunos. Dois de cada classe, que seguiriam no transporte que disponibilizaram. Tudo para se livrar do insistente maestro. E lá seguiram para aulas de música. As crianças e jovens nunca haviam visto os instrumentos que lhes foram oferecidos: a trompa, o fagote, o tímpano, o oboé, e até mesmo o violino.
A fênix encanta aquelas crianças e jovens, que passam não apenas a se interessar pela música clássica, mas entendem que a música não tem fronteiras. Em pouquíssimo tempo o projeto passa a ser referência, ganha notoriedade na mídia e principalmente, lá no Heliópolis. Se tornam, finalmente, uma referência de orquestra jovem e musicalização infantil para o mundo.
Hoje mais de 20 anos de projeto montam uma realidade completamente diferente naquela comunidade: são cinco orquestras completas, mais de vinte corais, mais de 20 grupos de câmara e atendimento para mais de mil crianças na musicalização. Tudo isso numa comunidade que hoje tem cerca de 100.000 habitantes.
Claro que o maestro e seu projeto não eliminaram todas as mazelas daquela localidade. O poder continua não cumprindo seu papel por completo, mas hoje, ao invés do grande Yo-Yo Ma frequentar apenas os seletos e refinados espaços de concerto na cidade de São Paulo, também frequenta a favela.
Vai lá no Instituto Baccarelli dar aulas e ouvir aos jovens. Da mesma forma que o maestro Zubin Mehta, da Filarmônica de Israel, um dos maiores nomes da música mundial. Inclusive, este já levou músicos para se aprimorarem na academia da filarmônica israelense. Estes e outros grandes nomes mundiais, desfilam pelos corredores de sua sede. A orquestra tem temporada de concertos nos principais festivais nacionais, fora do país e no Theatro Municipal de São Paulo.
O projeto leva crianças carentes para o exterior. Me perdoem a franqueza, mas estas não vão para Europa para bater balde, ou latinha de Nescau. Estes se apresentam em patamar de igualdade com concertistas do mundo todo.
No último dia 21 de junho a fênix de Heliópolis nos partiu. Ali, naquela comunidade, ele deixou a chama acesa – não aquela do incêndio, que matou e massacrou tanta gente. O que hoje enxergamos é a chama de ideais que ele plantou e colhe há mais de vinte anos. A chama do conceito de um projeto que não formam apenas músicos. A finalidade do projeto não é uma fábrica de instrumentistas.
Apesar de muitos deles terem optado pelo meio musical como meio de vida, estes ideais são para auxiliar na formação de pessoas com ampla capacidade de raciocínio, crítica, e bagagem cultural, tudo vinculado à música. Num país que hoje sofre com a maldição do jabá, com a perda de espaço da cultura nos orçamentos públicos, com a crítica vazia sobre importância da arte no desenvolvimento humano, fica este exemplo.
Melhor ainda que o exemplo é a história, que mostra que poderemos nós mesmos reverter nossa calamidade atual. Precisamos agir. Assim como o Maestro Silvio Baccarelli, que possamos ressurgir das cinzas, se preciso for, enquanto nação. Assim como ele fez com Heliópolis.
Ricardo Pecego é ‘doutor em ciências ocultas, filosofia dramática, pediatria charlatânica e astrologia eletrônica’. Fale com o autor do artigo via e-mail.

 

 

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